A entrada de quadros na administração pública angolana vai passar por concursos públicos de ingresso, conduzidos por uma entidade recrutadora única que terá uma bolsa de peritos para avaliar os candidatos, segundo um decreto presidencial.
O diploma hoje publicado, que institui a Entidade Recrutadora Única de Quadros da Administração Central, aplica-se a todos os serviços, excepto os órgãos de soberania e os organismos de Defesa e Segurança, o recrutamento de docentes do ensino superior e serviços da administração local.
A Entidade será responsável pela abertura do concurso e deve realizar provas para constituição de uma base de dados de candidatos para o ingresso na administração pública. Os concursos terão lugar “apenas em casos pontuais, por solicitação dos sectores, mediante a existência de vagas”.
Em cada concurso pode ser criada uma base de dados constituída pelos candidatos aprovados “para efeitos de alocação a eventuais solicitações urgentes que venham a ocorrer no mesmo período” e que tem a validade de um ano.
Os serviços da administração central são obrigados, segundo o diploma, a seleccionar apenas os candidatos recrutados por esta entidade.
O júri é constituído por uma bolsa de peritos composta por funcionários da entidade e integra igualmente um representante do organismo de destino do pessoal a recrutar, podendo ainda incluir membros das ordens profissionais e da sociedade civil “com reconhecido mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal”.
Fica sempre bem os governos (por sinal formados todos, há 45 anos, pelo mesmo partido) falar de peritos e de “reconhecido mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal”. Fica bem porque é assim que se faz nas democracias e nos Estados de Direito.
O busílis da questão está na prática. A teoria pode ser (e em Angola é sempre) um “copy e paste” do que melhor existe. Na realidade é que o rabo torce a porca. Vejamos a diferença entre a teoria e a prática tomando como exemplo da ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana.
Segundo o Artigo 2º da Lei da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana, aquele organismo “tem a natureza de entidade administrativa independente, exercendo actividades de regulação e de supervisão da comunicação social em harmonia com o disposto na Constituição”.
A ERCA substituiu o Conselho Nacional da Comunicação Social (CNCS), que funcionou sem nunca ter sido regulamentada a sua existência. Era um organismo que funcionava num limbo jurídico. E que teve vários episódios polémicos, sobretudo de crítica persistente aos órgãos de comunicação privados, sem que a mesma actuação se verificasse em casos idênticos nos órgãos de comunicação social públicos.
No Artigo 3.º (Objectivos da regulação e de supervisão) constam os objectivos das actividades de regulação e supervisão da ERCA:
a) A promoção e garantia do pluralismo e da diversidade das correntes de opinião e de expressão cultural, linguística, religiosa e étnica que representam a natureza multicultural de Angola;
b) A garantia da livre difusão e do livre acesso aos conteúdos informativos por forma a evitar qualquer tipo de exclusão;
c) A protecção dos grupos sociais mais vulneráveis, tais como crianças, jovens, idosos e portadores de necessidades especiais relativamente a conteúdos informativos que possam prejudicar o seu desenvolvimento como cidadãos ou que ponham em causa a preservação de valores sócio culturais, éticos e de carácter patriótico produzidos e difundidos pelas entidades sujeitas a regulação e supervisão;
d) A garantia de que os conteúdos difundidos pelos meios de comunicação social se pautem por critérios rigorosos que correspondam às boas práticas do jornalismo;
e) A garantia da efectivação da responsabilidade editorial em caso de violação da lei ou dos princípios que enformam a actividade da comunicação social.
A ERCA (Artigo 5º) “é independente no exercício das suas funções, cabendo-lhe o direito de definir livremente a orientação das suas actividades no estrito respeito pela Constituição e pela lei, não estando sujeito à observância ou cumprimento de directrizes de qualquer natureza”.
Relativamente ao âmbito de intervenção da entidade reguladora, a ERCA incide sobre todas as empresas ou outras entidades, independentemente da sua forma jurídica que, sob a jurisdição do Estado Angolano, exerçam actividades de comunicação social: operadores de rádio e de televisão, incluindo os electrónicos; as editoras de publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição utilizado; as agências noticiosas; e as entidades que utilizem meios electrónicos, incluindo a media online, para a divulgação de conteúdos editoriais.
A ERCA é composta por um Conselho Geral, um Conselho Consultivo, um Secretariado e um Fiscal Único.
Segundo o Artigo 12.º (Incompatibilidades) “não podem ser designados para os órgãos da ERCA” pessoas que detenham interesses de natureza financeira em entidades que prossigam actividades de comunicação social ou os tenham tido nos últimos 2 anos; membros de órgãos sociais ou de direcção de qualquer órgão de comunicação social ou de associações e sindicatos da classe de jornalistas ou que o têm sido nos últimos 2 anos à data da designação; dirigentes de Partidos Políticos ou de associações políticas ou que o hajam sido nos últimos 2 anos anteriores à data da designação; membros das Forças Armadas, da Polícia Nacional, de Órgãos de Segurança ou de quaisquer outras organizações paramilitares no activo ou que o têm sido nos últimos 2 anos à data da designação; titulares de quaisquer Órgãos de Soberania do Estado ou que o têm sido nos últimos 2 anos à data da designação.
Os membros do Conselho Geral da ERCA “não podem desempenhar qualquer função pública ou privada, à excepção de função relacionada com a actividade de docência e de investigação científica a tempo parcial”, diz o número 2 do Artigo 12º da Lei da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana.
A eleição dos membros do Conselho Geral da ERCA recai sobre pessoas designadas da seguinte forma:
a) Cinco membros pelo partido que detiver a maioria dos assentos parlamentares;
b) Dois membros pelos demais partidos com assento na Assembleia Nacional;
c) Dois membros pelo Executivo;
d) Dois jornalistas indicados pelas organizações representativas da profissão com maior número de associados.
Que melhor exemplo de “mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal” se pode querer do que este de o MPLA, partido maioritário (há 45 anos), escolher cinco membros; o Governo do MPLA (há 45 anos) escolher dois?
O Conselho Geral é integrado por um Presidente, um Vice-presidente e nove vogais: em 11 elementos, 7 serão indicados pelo partido no poder (MPLA há 45 anos) cinco pela Assembleia Nacional, 2 pelo Executivo – do MPLA, há 45 anos. O Presidente do Conselho Geral é indicado pelo partido que detiver a maioria parlamentar (MPLA há 45 anos) de entre os 5 membros por si designados.
O mandato dos membros do Conselho Geral tem duração de 5 anos, contados desde a data da tomada de posse. Os membros do Conselho Geral não podem exercer mais do que 2 mandatos consecutivos ou 3 interpolados.
Para além do Conselho Geral, a lei prevê a criação de um Conselho Consultivo da ERCA (um órgão de apoio ao Conselho Geral), composto por membros indicados pelo executivo, por elementos de todos os partidos políticos com assento parlamentar, e de representantes das associações profissionais de jornalistas, INADEC, entre outros.
O presidente do Conselho Geral da ERCA preside também ao Conselho Consultivo, com direito de intervir, mas sem direito a voto.
A ERCA pode, no quadro da prossecução das suas atribuições e funções de regulação e supervisão, proceder a averiguações e exames em qualquer entidade ou local onde se exerçam actividades no domínio da comunicação social.
Folha 8 com Lusa